Sérgio Moro defende prisão como regra após decisão de segunda instância

BRASÍLIA – Em debate na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, o juiz federal de Curitiba (PR), Sergio Moro defendeu a ampliação da possibilidade de prisão após sentença condenatória de segunda instância, conforme prevê o Projeto de Lei 402/2015. Também participaram da audiência pública outros juízes, promotores e advogados.
O interesse pelo debate foi ampliado pela presença de Moro, responsável pelos inquéritos e processos da Operação Lava-Jato.
O projeto de Roberto Requião (PMDB-PR) e outros senadores, torna regra a prisão após sentença condenatória de segunda instância em crimes hediondos e crimes contra a administração pública, entre outros.
Hoje entende-se que a prisão antes de uma decisão definitiva (transitada em julgado) só pode ocorrer de maneira provisória, quando há, por exemplo, risco de fuga ou tentativa de atrapalhar a apuração dos fatos.
Sérgio Moro destacou o longo tempo necessário para um processo criminal chegar ao fim e criticou o excesso de recursos à disposição dos réus. Segundo ele, “é importante que o sistema de justiça criminal funcione de maneira eficiente”, para absolver, condenar e também para que as penas sejam cumpridas.
O juiz negou que o projeto viole a presunção de inocência e disse que países que consolidaram esse princípio, como França e Estados Unidos, permitem a prisão até em fases anteriores do processo.
O advogado Fábio Zech Sylvestre, da Ordem do Advogados do Brasil, ressaltou que a Constituição brasileira é específica ao determinar que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Em sua opinião, mudanças como a proposta no projeto violam o texto constitucional, assim como tratados internacionais.
SISTEMA DE RECURSOS – Ao chegar ao Senado, o juiz federal Sergio Moro disse que o atual sistema de recursos judiciais no país favorece a impunidade.
“O sistema de recursos [é] sem fim. E temos vários casos, até criminais de homicidas confessos, que levam dez anos, 15 anos, que nem chegam ao fim, sem falar em crimes graves de malversação de recursos públicos que demoram muito. Então esse quadro tem de ser alterado”, disse o juiz à imprensa, na entrada do Senado.
Indagado por um jornalista se o sistema ajuda na impunidade, o juiz respondeu que “certamente”.
O juiz afirmou que "casos complexos" que passaram pelas suas mãos, como os derivados do escândalo Banestado, que apurou remessas de bilhões de dólares para o exterior, ainda permanecem sem julgamento final, embora iniciados há 11 anos.
"Eles [dirigentes do Banestado] praticaram fraudes milionárias, julguei em 2004 e nunca chegou ao final. Já foram condenados por mim, por STJ, mas não obstante, tramitam ainda recursos, nesse caso incabíveis, no Supremo", explicou o magistrado.
"Normalmente são uma patologia, a gente pensa que casos assim ocorrem pontualmente, mas não", afirmou o juiz.
Moro foi apoiado pelo presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek, que falou na "tríade morosidade, recursos protelatórios e prescrição da pena". "Os juízes não têm primazia de combater a impunidade, o juiz sim se preocupa ou deve se preocupar com a regularidade do processo, e ele visa sobretudo que não haja impunidade e que a justiça seja feita nos casos concretos", disse Bochenek.
Um dos representantes da OAB na audiência, Fábio Zech Sylvestre, disse que o projeto ofende o princípio da presunção da inocência. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito penal de sentença condenatória. Na verdade esse preceito constitucional é inerente à dignidade da pessoa humana", disse Sylvestre.
Em duro ataque ao projeto, o professor de direito e juiz no Rio, Rubens Roberto Rebello Casara, membro da AJD, fez comparações com a Alemanha nazista e o fascismo italiano para dizer que "no Estado democrático de direito os fins não justificam os meios". Segundo Casara, o projeto de lei "se insere num movimento que se caracteriza por mais punições e as pulsões repressivas presentes na sociedade, mas que se revela ineficaz para a prevenção de novos delitos".
"De boas intenções, como se diz no ditado popular, o inferno está cheio", acusou o professor. Ele disse que "não há nenhuma razão" para acreditar "cegamente em um juiz de direito". "Os juízes erram e muito, eu já cansei de errar, muitas vezes nas melhores das intenções", afirmou Casara.