Todos iguais perante a lei

Dirceu Cardoso Gonçalves*
 
A hora em que agentes da Polícia Federal teriam escolhido intimar o filho do ex-presidente Lula (23 horas) a prestar depoimento é, sem dúvida, esquisita, tanto que levou o ministro da Justiça, chefe da Polícia Federal, a pedir esclarecimentos.
Policiais certamente estavam tendo dificuldades para encontrá-lo e, por não haver nos regulamentos restrições a horários para a entrega de intimações, decidiram esperar por sua chegada ao prédio onde mora.
Desde que não traga riscos ou prejuízos ao processo, a intimação noturna de alguém que não corre o risco de fuga ou de impossibilidade de ser notificado durante o dia, serve apenas para criar ruídos ao feito e, no caso de alguém ligado ao poder, estabelecer dificuldades e questionamentos políticos.
A Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça têm papel fundamental no momento de combate à corrupção vivido pelo país. Por isso, não devem extrapolar. Se o filho do ex-presidente está na linha de investigação e precisa ser ouvido, deve ser intimado e tratado como qualquer cidadão, independente de sua filiação.
Do contrário, ficará a imagem de perseguição ou de favorecimento, que pode ser usada por uns e outros, de acordo com os seus interesses políticos, econômicos ou, até, criminosos. Nesse caso é preciso observar rigorosamente o artigo 5º da Constituição: “Todos são iguais perante a lei…”
Não pode o cidadão, seus descendentes ou agregados, por ser político, milionário, religioso, ou qualquer outra variável, receber tratamento diferente dos demais, exceto aquilo que estiver explicito na lei como, por exemplo, os discutíveis institutos da imunidade e do foro privilegiado.
Os demais são credores de tratamento idêntico. Não agravado e nem aliviado em razão de seu parentesco ou ligações. Esse cuidado é o que garantirá o sucesso da empreitada e, possivelmente, a desmontagem dos esquemas que assaltam os cofres públicos e infelicitam a Nação.
Mais importante do que carregar o troféu de ter intimado ou ouvido o filho do ex-presidente é apurar se têm fundamento as suspeitas contra ele levantadas. Assim deve ser com todos aqueles cujos nomes aparecem nas investigações dos ilícitos. Nada deve obstar que ainda possam ser ouvidos o próprio Lula, outros ex-governantes e até membros do próprio governo desde que contra eles hajam suspeitas fundadas.
Não podemos, jamais, correr o risco de ao interpretar questões meramente operacionais colocarem a perder a luta anti-corrupção. A investigação bem feita é do interesse de todos, até dos próprios investigados que, não tendo cometido o ilícito, terão a oportunidade oficial de prová-lo e, se for o caso, reclamar as devidas reparações.

Dirceu Cardoso Gonçalves, dirigente da ASPOMIL (Associação de Assist. Social dos Policiais Militares de São Paulo)