Tráfico, tiro e funk marcam cenário de estupro no Rio
RIO DE JANEIRO – "Isso aqui é um bangue-bangue. Espero que, após essa tragédia, o tráfico nos deixe em paz", diz o aposentado Ronaldo Pinto, 57, em referência ao estupro de uma jovem de 16 anos em uma favela do complexo São José Operário, zona oeste do Rio de Janeiro.
Ele é vizinho da comunidade onde o crime aconteceu, na madrugada de sábado (21), após a jovem ter encontrado em um baile funk um rapaz com quem estava "ficando".
A garota conta que foi para uma casa com ele e, a partir daí, só se lembra de ter acordado no domingo (22), em outro imóvel, no morro da Barão. Ela estava dopada, nua e, declara, sendo observada por 33 homens armados de fuzis e pistolas. A polícia do Rio suspeita que eles integrem a quadrilha de traficantes da região.
"A calma não existe mais. Nos últimos anos, vejo da minha cama a cena quase irreal de balas de fuzil colorindo o céu", afirma o aposentado.
A reportagem conversou com moradores do complexo e todos relatam que tiroteios e festas com consumo de drogas no meio da rua fazem parte da rotina da comunidade. A maioria pediu anonimato, por temer represálias.
"Tem coisas que só vendo para acreditar. Garotas se prostituindo pela droga também é uma cena comum", disse um morador do morro da Barão, que confessou "se divertir" nos bailes funk bancados pelos traficantes.
"Isso deve ter acontecido outras vezes. Como disse um conhecido, se esses rapazes não tivessem colocado essas fotos na internet, ninguém saberia de nada", completou.
Na gravação, um grupo de homens, em meio a risadas, toca nas partes íntimas da garota e diz que ela foi violentada por "mais de 30".
Em 2009, a lei 12.015 foi alterada e passou a considerar, além da conjunção carnal, atos libidinosos como crime de estupro.
A menina disse ter acordado com homens em cima dela. A polícia, porém, trabalha com cautela. Diz ter "indícios veementes" de abuso, ouviu suspeitos, mas não pediu a prisão de ninguém -o que levou a defesa da adolescente a chamar os investigadores de "machistas" e a pedir que uma delegada assuma o caso.
OPERAÇÕES – Para atrair mais consumidores, os traficantes da Barão realizam festas todas as sextas na comunidade. Na última (27), o baile não aconteceu, já que a Polícia Militar busca suspeitos de participação no estupro da jovem.
"Vejo homens armados toda hora. Já vi até mortes. Você acaba nem ligando. Mas esse estupro foi demais. Nunca pensei que chegaria nesse nível", disse um morador que é vendedor em Madureira.
A favela da Barão se tornou famosa pela violência no final da década passada, depois do início da política de pacificação do governo Sérgio Cabral, em 2008. Ela virou reduto de criminosos do Comando Vermelho em fuga de outras comunidades.
No Complexo de São José Operário, os traficantes da Barão são conhecidos pelo forte armamento e pelo grau de pureza da cocaína vendida.
Operações policiais são raras e dificultadas por uma questão geográfica. A comunidade começa no final da rua Barão e sobe pelo morro, dando aos traficantes uma visão total da movimentação.
Antes de ser ocupado pelo tráfico, a favela era comandada por milicianos, que exploravam a venda de gás e de TV a cabo. Na região de Jacarepaguá, o complexo é dividido por uma linha imaginária traçada pelos "donos" das favelas.
De um lado, os mototaxistas só podem levar moradores para a Barão. Do outro, eles só dirigem no sentido da favela da Chacrinha, que é comanda pela milícia. A cor do colete identifica os motoqueiros.