USP fecha laboratório que produzia “pílula do câncer”

SÃO PAULO – O laboratório do IQSC-USP (Instituto de Química de São Carlos, da USP) no qual estava sendo produzida a fosfoetanolamina, suposta "pílula do câncer", foi fechado na sexta-feira (1).
A medida foi tomada pela universidade porque o único funcionário responsável por sintetizar a molécula foi deslocado temporariamente para um laboratório de Cravinhos (SP), onde serão produzidas remessas das pílulas que servirão para testes preliminares de sua eficácia em seres humanos.
A reportagem apurou que apenas três pessoas conheciam bem o processo de produção da "fosfo", como ficou conhecida a substância: o químico Gilberto Chierice, hoje professor aposentado do IQSC e coordenador dos estudos sobre o tema, e dois técnicos que trabalhavam com ele. Um deles aderiu ao programa de demissões voluntárias da USP e não está mais na universidade.
O outro, Salvador Claro Neto, que fez seu doutorado em química sob orientação de Chierice, era o responsável por abastecer a demanda pela molécula gerada pela onda de decisões judiciais que surgiu a partir do ano passado. Diversas liminares passaram a determinar que a USP fornecesse a "fosfo" a pacientes com câncer, mesmo sem dados científicos que corroborassem sua eficácia e segurança como medicamento contra a doença.
Desde então, tanto o governo federal quanto o do Estado de São Paulo se mobilizaram para tentar testar cientificamente a ação da pílula. O governo paulista determinou que o Icesp (Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Octavio Frias de Oliveira) conduzisse ensaios clínicos com a molécula num grupo inicial de dez pacientes humanos, que poderá ser ampliado caso haja bons resultados.
Para que esses testes possam começar, a Secretaria de Saúde de São Paulo remanejou Claro Neto temporariamente para o laboratório PDT Pharma, em Cravinhos, que ficará responsável por produzir a "fosfo" utilizada nos ensaios clínicos. Segundo a assistência técnico-administrativa do IQSC, depois que o químico auxiliar o laboratório nesse processo, poderá voltar a produzir a molécula em São Carlos. Em entrevista à EPTV, afiliada da Rede Globo no interior do Estado, Claro Neto declarou que deverá passar cerca de um mês fora de São Carlos. "Nós estamos num vácuo. [A ida para Cravinhos equivale a] parar de fazer para 400 pessoas para fazer para 13 mil", disse ele.
IMPUREZAS – Enquanto isso, porém, a USP não está mais cumprindo as ordens judiciais de fornecer as pílulas aos pacientes. Isso fez com que doentes, seus advogados e familiares tentassem obter a "fosfo" indo diretamente ao laboratório do IQSC nos últimos dias, sem sucesso.
Embora Chierice tenha afirmado que o método de produção das pílulas desenvolvido por seu grupo permite obter a "fosfo" com "altíssimo grau de pureza", não foi isso o que mostraram avaliações independentes das pílulas, realizadas por pesquisadores da Unicamp a pedido do governo federal.
Segundo tais análises, as pílulas não possuem a massa indicada (supostamente seriam 500 mg, mas a média real fica em torno de 300 mg) e seu conteúdo é uma mistura de componentes – a fosfoetanolamina propriamente dita corresponde a apenas uns 30% do que está presente na pílula.
ESCLARECIMENTO – Em nota, a USP afirma que a produção da fosfoetanolamina era feita por um técnico (Salvador Claro Neto), que foi cedido para o Estado pra auxiliar na produção da droga para pesquisas sobre sua suposta eficácia.
Sem o aval dos detentores da patente, Chierice e Claro Neto, a USP estaria incorrendo em crime contra patente ou invenção (artigo 183 da Lei Federal n. 9279/96).
"Por fim, ressaltamos que a USP não é uma indústria química ou farmacêutica e que não tem condições de produzir a substância em larga escala", diz a nota.

Teste preliminar reprova fosfoetanolamina contra o câncer

PÍLULA INEFICAZ?
Como foi o teste preliminar que reprovou a fosfoetanolamina contra o câncer

A PÍLULA DO CÂNCER
É uma substância de baixo custo, à base de fosfoetanolamina, criada na USP de São Carlos após pesquisas do professor Gilberto Chierice. Começou a ser distribuída a pacientes na década de 1990, apesar da falta de estudos e de aprovação da Anvisa
DECISÕES JUDICIAIS
A produção e o fornecimento da pílula foram interrompidos em 2014, após a aposentadoria de Chierice. Pacientes recorreram aos tribunais para conseguir a substância, o que levou o Ministério da Saúde e o Governo de SP a investir em estudos
NO CONGRESSO
A Câmara dos Deputados e o Senado aprovaram projeto de lei que permite a produção, importação, distribuição e prescrição concomitantemente aos estudos, ainda na fase pré-clínica (antes de testar em humanos). O texto agora depende de sanção presidencial

RESULTADOS DOS ESTUDOS PRÉ-CLÍNICOS

MISTURA DE COMPOSTOS
Análise em laboratório da Unicamp revelou que as pílulas continham diversos componentes além da “fosfo”
NÃO PARECE SER TÓXICA
Avaliação feita pelo Cienp, em Santa Catarina, forneceu doses elevadas do produto a ratos de laboratório saudáveis. Não houve alterações de saúde
ATIVIDADE FRACA 1
O Cienp testou a pílula contra células de câncer de pâncreas e de pele. Só um de seus componentes deu resultado, mas com potência mil vezes menor do que drogas já conhecidas
ATIVIDADE FRACA 2
A UFCE testou a “fosfo” nas células de câncer de cólon, próstata e cérebro. Ela só afeta as células tumorais em concentrações mais de 5.000 vezes superiores às de um quimioterápico
SEM MUTAÇÕES
O Cienp mostrou que a pílula não causa alterações no DNA das bactérias Salmonella typhimurium