A Calça Comprida

Renato Benvindo Frata

Para o moleque a primeira calça comprida tinha o mesmo significado que o primeiro sutiã para a menina-mocinha: vinha com uma série de atributos que simbolizavam amadurecimento e com ele as responsabilidades de adulto.

A menina-moça era orientada a adotar certos e muitos cuidados para se manter ou fazer prendada no sentido explícito da palavra, era aspirante a ótimo casamento e por isso deveria se manter íntegra em corpo, pensamentos e ações; e ao menino cabia a formação para homem com obrigação de ser diligente, educado, assíduo, tolerante, prestativo, honesto, respeitador e trabalhador, candidato a bom pai de família e construtor de uma sociedade melhor.

Pois bem, certo dia ao me levantar, deparei com um embrulho nos pés da cama. Ainda meio sonolento desfiz o laço que o envolvia e qual não foi a surpresa quando, ao segurar a calça pelo cós, as pernas desceram. Era uma calça comprida de casimira, com vinco nas pernas e dois bolsos traseiros; completamente diferente das calças curtas que até ali me serviram.

Vesti-a e me olhei no espelho enxergando o homem que ela retratava. Ficou tão perfeita que nem parecia fruto de reforma de uma calça velha do meu pai. Não era hora para coisas de somenos importância; a calça comprida por si representava a liberdade, o desprendimento, o amadurecimento, e meus pais reconheceram isso em mim, daí a alegria. O sorriso se espalhou e, assim com a alta-estima nas alturas, cabelo emplastado e camisa de mangas curtas arregaçadas, saí para o café.

Na cozinha, meu pai botou a mãos na minha cabeça e disse: – existem duas razões para que você use bem essa calça que sua mãe ajustou: a primeira porque já foi minha. Está, portanto, com certa dose de respeito; a segunda, porque esta é a que dá início à série delas que você terá na vida. Se honrá-la como deve, as próximas seguirão o mesmo caminho. Então menino, pense bem antes de qualquer decisão para não fazer besteira: a calça não veste apenas o corpo, mas também o presente e o futuro do homem. Bebeu um último gole de café, pegou seus petrechos de trabalho e saiu. O rosto de minha mãe estava enlevado, mas não sei se pela minha aparência de homem ou pela preleção que acabara de ouvir.

Não há necessidade de falar sobre a reação dos meus amigos à minha calça; alguns já usavam, outros demorariam mais. O fato, porém, ficou marcado para sempre com o mesmo valor que a menina dá ao primeiro sutiã: nunca se esquece.

Acompanhando as notícias dos recentes pacotes de maldade e dos desmandos administrativos dos nossos governos que desrespeitam direitos e produzem prejuízos à população espoliando-a descaradamente sem o menor respeito, e comparando-os com as obrigações dos jovens do meu tempo ao honrar as peças de roupas que os transpunham ao mundo dos adultos, milhões de pensamentos se espremem pedindo passagem para questionar essas atitudes, e com os quais me obrigo a concordar: na primeira calça e no primeiro sutiã que respectivamente governador e presidente usaram, por certo não receberam recomendação semelhante àquela do meu pai.